Sela meu cavalo, menino, que eu vou embora

Priscila Argolo
2 min readJan 10, 2024

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Mais uma mudança e lá vamos nós. Imagem da Internet.

Desde pequena eu sei o que é ver alguém partir e ficar anos sem sentir o cheiro, o toque ou o tom da voz. Aprendi a me despedir sem saber que se tratava de uma partida. Vi minha mãe sair pela porta, mas também vi uma nova mãe se fazer presente. Conheci a vontade de ir embora, presenciei a vontade de partir e prometi para mim mesma que sempre me faria casa.

Por muito tempo, me forcei a ficar onde não me cabia. Bati no meu ombro-razão acreditando que minha lata bastaria para o conteúdo externo, mas o peito-coração sabia que não valia criar paciência por algo que não merecia. Na maioria das vezes, abri caminho para ouvir o peito-coração quando tudo já tinha partido, revirado meu entorno e bagunçado os trilhos do meu trem.

É assim que vemos algo que importa partir quando já é tarde demais. Muitas casas já receberam minha caixas e muitos motoristas receberam o dinheiro de uma nova mudança. O caminhão que descarregou tijolos para substituir a casa de madeirite, é o mesmo que continua a entregar sonhos que agora o limo faz morada.

Hoje é hora de uma nova morada, não me cabe mais as histórias da falta de habitação ou da falta de amor. Todos as casas que já morei, com enchente ou com goteira, foram destino para quem eu era naquele momento: a adolescente triste que escrevia poemas no boteco do pai que recebeu de presente ou a adulta madura que não sentiu nada quando ouviu que o pai que plantou a semente partiu dessa para uma melhor.

Já está na hora de chamar o caminhão para levar a mudança. O terreno está aterrado e, os blocos que se faziam limo, servirão de barricada para sonhar com mais calma. Cada fiada de bloco que subir, será mais uma certeza de que a criança que aprendeu a aceitar quem amava partir, não é a mesma que hoje busca terra para ficar, abraçar e construir um lar.

E que bom…

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Priscila Argolo

Ninguém me deu permissão pra sonhar, mas eu já sabia o quanto era bom. Mãe do Jota, companheira do Marquinhos e a humana da Akira.